"É um objecto formado por uma série de contentores modelados em forma de gomo, dispostos circularmente em torno de um eixo central, ao qual cada elemento apoia o seu lado rectilíneo, enquanto todos os lados curvos, voltados para o exterior, produzem como forma global uma espécie de esfera. O conjunto destes gomos está envolvido por uma embalagem bem característica, tanto do ponto de vista da matéria como da cor: dura na superfície externa e revestida no interior de um acolchoado fofo, que serve para proteger do exterior o conjunto dos contentores. Todo este material é na sua origem da mesma natureza, mas diferencia-se necessariamente segundo a função. Cada contentor, por sua vez, é formado por uma película plástica, suficiente para conter sumo, mas bastante maleável quando da sua decomposição da forma global. Cada gomo mantém-se ligado aos outros por um adesivo muito frágil. A embalagem, como é hoje corrente, não tem de ser devolvida ao fabricante. Cada gomo tem exactamente a forma da disposição dos dentes na boca humana e, uma vez extraído da embalagem pode ser encostado aos dentes que, com uma ligeira pressão, o rompe, e dele extraem o seu sumo. Os gomos contêm, além do sumo, pequenas sementes da mesma planta que engendrou o fruto: uma pequena homenagem da produção ao consumidor, no caso de este desejar ter uma produção pessoal desses objectos. Observe-se o desinteresse económico dessa ideia e, por outro lado, a ligação psicológica que se estabelece entre consumo e produção: ninguém, ou muito poucos, semearão laranjas, mas esta concessão, altamente altruísta, a ideia de se poder fazê-lo, liberta o consumidor do complexo de castração e estabelece uma relação de confiança autónoma recíproca. Por isso a laranja é um objecto quase perfeito, encontrando-se nele uma total coerência entre forma, função e consumo. Também a cor é exacta; se fosse azul, estaria completamente errado. A única concessão decorativa, se assim se pode dizer, consiste na pesquisa «matérica» da superfície da embalagem, tratada como «casca de laranja». Talvez para evocar a polpa interna dos gomos. Por vezes é admissível um mínimo de decoração, se perfeitamente justificado.”
in Das Coisas Nascem Coisas de Bruno Munari
1 comentário:
Sabe-me dizer em que pagina se encontra esse excerto?
Enviar um comentário